"Dance like no one is watching, love like you'll never be hurt, sing like no one is listening, and live like it's heaven on earth."- William Purkey
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Out 11
publicado por Muito Mais Branco, às 15:21link do post | comentar

 

tandem 744

 

 

Estamos nós, o Z. e eu prontos para iniciar a excursão que nos ia levar ao suposto berço da humanidade, à ‘cidade da paz’, como ironicamente era inicialmente chamada, hoje em dia, vulgo Jerusalém, sentados no autocarro, algures em Tel-Aviv, a aguardar. Tínhamos acordado pra lá de cedo, e estávamos, 2 horas depois à espera. Esperávamos tudo, menos o que acabámos por encontrar.

 

Longe estávamos nós de imaginar que a ‘cidade perfeita’, era exactamente isso, perfeita. Perfeita na harmonia das ruas, na riqueza dos materiais usados, na beleza dos templos, igrejas e sinagogas, nas cores neutras e ocres, equilibradas entre outras mais vibrantes, como uma orquestra de paredes de pedra polida ou de pedra madeira, em que tudo era construído, transmitindo uma sensação de mansidão visual, sem choques de falta de planeamento urbano, como estamos nós, Tugas, habituados a ver pelo burgo.

 

Perplexos com a beleza dos mosaicos, naquele ‘labirinto’ ordenado e de certa forma unido, ligado por um Deus que se sente a pairar sobre nós, omnipresente, mesmo para os não crentes, como eu, e, com a certeza que estávamos perante uma terra que tinha tanto de sagrado como de opulento. As multidões cercavam o muro das lamentações, numa tentativa frustrada de pertença. Nós não pertencíamos ali. Por muito respeito, muito recato, e muita abstinência nos sinais exteriores de riqueza que pudéssemos abraçar, nós éramos significativamente diferentes. E era essa diferença tão sentida que nos chocava sobremaneira. A diferença cultural era um poço sem fim, excessivamente atraente e ao mesmo tempo demasiado sufocante.

 

Mas enquanto estávamos na expectativa, à espera, sentados no autocarro arejado e fresco, antes de iniciarmos a excursão, estava um casal americano de meia-idade com uma filha nos seus vintes loira e enxurrada de adornos dourados, como se para um baile de finalistas brega fosse, mas que nos proporcionou momentos de risota pegada. Elas, apesar de típicas americanas, percebemos nós, tinham origem russa, pelo que fruíam de um corpo elegante, e nisso, só nisso, destoavam das vulgares americanas, em tudo o resto eram iguais. O sotaque, o ar superior e altivo com que miravam o guia e o motorista, o jeito arrogante e pespineta com que faziam questão de se exibir, eram em tudo puras americanas, vinham de shorts e tank-tops, alias, vestimenta muito apropriada para quem vai visitar um local sagrado.

 

Muito pelo contrário, o marido, era um cool, não estava nem ai para elas. Deixou-as sentarem-se ao lado uma da outra, e ficou pacatamente no banco ao lado. Em toda a excursão manteve um charuto apagado no canto da boca, que tirava apenas para falar.

 

O Z. e eu estávamos sentados mesmo atrás das americanas. Enquanto esperávamos o autocarro arrancar, eram muitas excursões, e por isso a coisa levou um certo tempo, elas estavam furibundas, fartas de esperar e indignadas com a ‘falta de organização’ típica de quem nunca organizou nada.    

 

Mãe histérica para o Pai zen: ainda estamos a tempo de desistir, pedimos o nosso dinheiro de volta, e temos um seguro que nos permite ter um reembolso do que pagámos, e podemos ir depois com um guia particular em vez de estarmos aqui neste autocarro imundo e a cheirar mal, sem condições nenhumas! Parece incrível, isto não se faz, nós pagámos e estamos à espera há séculos, e está tudo mal organizado, eu por mim cancelava já isto e accionava o seguro, não achas? (pergunta à filha, a filha diz que sim com a cabeça) É que estamos aqui à espera, e sinceramente eles estão a tratar-nos como lixo, não merecemos este tipo de tratamento. Temos um seguro de viagem que basta um telefonema para accionar, e não nos custa nada….(e continuou ad nauseam, qual disco riscado), CREDO como é que é possível…

 

O Z. e eu assistíamos à fúria da americana, atónitos, mas ao mesmo tempo encantados, pois lá nos íamos rindo do episódio. É que ela estava a ter um ataque de fúria, e ele, o pai, estava completamente blasè sem ligar a mínima, com um ar pacato e tranquilo, como se não a estivesse a ouvir.

 

Bom, definitivamente não era caso para tanto… Sim estávamos à espera, eram muitas excursões, mas estamos de férias…. Estávamos confortáveis, o autocarro tinha ar condicionado, okay, não era o último grito dos modelos de autocarro, e era com toda a certeza bastante mais pequeno do que os comuns autocarros americanos, mas era razoavelmente bom para estarmos cómodos e sem stress a aguardar.

 

Mas ela não tinha travões, continuou: sim, porque temos o seguro e podemos accioná-lo. Eu por mim ia-me já embora! Este autocarro é pequeno, desconfortável, sujo e está todo encardido…


Nisto o pai parece que ganha vida e diz: Sempre é melhor que a casa da tua mãe…


O Z. e eu não conseguimos conter a gargalhada que fingimos ser de qualquer coisa que vimos na rua.

 

Mas inteligente, muito inteligente, ou então conhecia muito bem a mulher que tinha, pois com esta ela ficou-se e nem mais uma palavra sobre o suposto autocarro imundo.

 

E foi assim que começou a nossa ida.

 

Já em Jerusalém, deram-lhes umas saias e uns lenços para cobrirem as pernas e os cotovelos, mas elas estavam mais interessadas em fazer compras do que aproveitar o que a cidade tinha para oferecer.

 

O pior cego é aquele que não quer ver.

 

Tão poucachinas que elas eram, credo!


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